domingo, 12 de abril de 2009

2° Capítulo - Solidão de si mesma



O galo nem havia ainda cantado, nem os primeiros raios de sol aparecido, e Camila já se encontrava acordada, deitada na velha rede armada na pequena sala onde dormia, ela trazia um livro nas mãos como se fosse um tesouro, o que Dona do Carmo a tinha emprestado semanas atrás. Desde cedo a moça despertara uma paixão pela leitura, e foi em meio a resquícios de felicidade que aprendera a ler, sentia-se orgulhosa e todas as manhãs, antes de se aprontar para ir para o serviço, dispunha-se a ler um pouco. Já estava quase terminando o romance, e lia com vontade as seguintes palavras, meditando-as silenciosamente dentro de si:

“Passaram-se alguns meses e aquela impressão de que o amor era uma doença não havia passado. Era labirinto com cheiro de éter e paredes de azulejo branco. O amor era perder todas as oportunidades, inclusive a do novo amor. É uma sensação de solidão que se quebra como vidro pelos cômodos da casa e eu estava totalmente embriagado por ele.”

Isso tudo a encantava. Era como se fosse um mundo inatingível. Levantou-se e correu para o espelho que havia pendurado na parede, que mesmo quebrado e velho, refletia em si uma menina de olhos profundos e ilegíveis. Seus lábios carnudos que nunca haviam provado do amor, tinham sede de conhecer o desconhecido. Será que ela, aquela tão pobre menina, conseguiria amar algum dia? Perguntava-se no silêncio de sua solidão interior. Resolveu fazer o café, que serviria para a família, juntamente com pão seco do dia anterior, o pai cansado dormia um sono profundo e a mãe com aquela expressão de bondade no rosto, devia ainda estar viajando pelo mundo dos sonhos naquele exato momento. Os irmãos logo teriam que ir para a escola, Bentinho nunca gostava de acordar cedo, e sempre levantava com aquela cara de poucos amigos. Então, Camila pousou o olhar sobre cada um deles e percebeu o quanto os amava. O que seria dela sem aqueles a quem devia a vida? Apesar das péssimas condições em que viviam, ela tinha em si a certeza de que tudo iria mudar. Ansiava incondicionalmente, algum dia, dar a todos muito orgulho de sua pessoa.

“Eu ainda hei de ajudá-lo meu pai e você minha mãe, que me carregou tanto tempo dentro do seu ventre, também. Irei estudar, batalhar, trabalhar, tudo o que tiver ao meu alcance para lhes dar uma vida menos sofrida. ” A moça falou isso quase sussurrando, enquanto uma lágrima escorria em sua bela face e lá fora o céu se iluminava anunciando que o dia já havia começado.

Mais tarde, enquanto a moça servia café para os patrões, pode escutar, quase que distraída, a conversa dos dois.

“Hoje mais cedo recebi um telegrama que lhe de certo lhe interessará, nosso filho virá em breve passar uma temporada conosco, Do Carmo. Parece que tirou férias da faculdade, anda meio adoentado e precisa de um pouco de ar puro.”

“Oh, que bela notícia, que saudades de Hugo, como gostaria de tê-lo conosco para sempre, quantas noites eu chorei ao lembrar sua partida para uma terra estrangeira e tão longe. Meu coração se encontra até hoje despedaçado, como se faltasse uma parte de mim.”

“Ora, não faça drama, estava na hora de ele caminhar com suas próprias pernas, ele estava manchando o nome de nossa família de alguma forma, creio que foi preciso de tudo isso para que ele se transformasse em um homem de verdade.”

“E quando ele virá?”

“Em breve, daqui a duas semanas, senão menos, ele já estará em seu colo novamente.”

Camila, alheia em seus pensamentos, ouviu toda a conversa. Ainda não conhecia o tal Hugo. Começara a trabalhar para Dona do Carmo, um ano depois de sua partida, mais soube que era muito do mulherengo. Ah, devia de ser verdade que todos os homens eram iguais, o prazer da carne sempre falava mais alto no mundo deles. Faria de tudo para manter certa distância dele, era uma moça direita e seus princípios provavam exatamente isso.

Que se danasse o tal do Hugo – pensava ela naquele instante. Era melhor começar a ajeitar a casa enquanto ainda era cedo, senão não sobraria tempo de conversar à tarde com Dona do Carmo. Ah, como aquelas conversas lhe faziam bem!

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