terça-feira, 14 de abril de 2009

4° Capítulo - Elo inexplicável


Parou, chorou, refletiu, porém por mais que pensasse em uma maneira de se livrar daquilo que estava sentindo, não conseguia, não haviam saídas, todas as portas estavam trancadas e a chave fora jogada fora. Aquelas quatro paredes a estavam sufocando, deviam ser as primeiras horas da madrugada e seu lençol estava todo molhado, as lágrimas resultantes daquele vazio que estava sentido, rolavam inconstantes em seu belo rosto rosado. Se soubesse que seria assim teria procurado um remédio, um antídoto talvez para se livrar de todas aquelas sensações que a atormentavam. Como assim a simples empregada se apaixonar pelo filho do patrão? Isso era inadmissível para Camila. Nunca em sua sã consciência teria coragem de dizer-lhe que ele era seu mais lindo sonho todas as noites. Desde o dia em que ele chegara à fazenda que ela andava assim, uma coisa sobrenatural veio e levou embora toda a sua paz interior, ela já não conseguia dormir direito, Hugo tomava todos os espaços dos seus pensamentos, não deixando lugar para mais nada. “Será que ele também sentia o mesmo?” Ela já percebeu olhares dele em sua direção e não sabia como, mais sempre criava coragem para retribuí-los. Ele havia lhe dado um presente quando chegara de viagem, uma fivela prateada cheia de enfeites e um cartão com uma flor rosa que veio com o perfume dele gravado e que ela guardara em uma pequena caixa de recordações e toda dia à noite ia lá somente para olhá-lo. Nesses últimos dias em que ele ficara adoentado, quase não saía do quarto e ela não podia vê-lo nem de longe. Dona do Carmo se encheu de cuidados com o filho, passava o dia paparicando-o ou lendo umas histórias, enquanto ele ficava rindo e escutando atenciosamente, ao mesmo tempo, com um ar matreiro. Camila acompanhava tudo pela brecha da porta, tinha receio de entrar, tinha vergonha, mais a vontade era de estar lá, mesmo que invisível, só para admirar aquele belo par de olhos azuis, era como se eles lhe quisessem dizer alguma coisa, de vez em quando ela tentava decifrá-lo, mais tinha medo, sabia que aquilo era errado. Ele já era homem feito, e ela apenas uma menina, mesmo que ele sentisse um quarto do que ela sentia, poderia vir a ter boas intenções em relação a ela? Era uma moça de família, respeitosa, tinha que dar-se ao respeito, preservar os seus princípios. Aquilo tudo era tão novo.Não conseguia esquecer a pequena conversa que tivera com Hugo, há poucos dias atrás, que a deixara tão balançada...

“E então, gostou do presente?”

“Gostei, gostei muito, seu Hugo. Creio que não precisava ter se incomodado. Juro que nunca havia recebido algo tão lindo. Obrigada mais uma vez.”

“Você não precisa agradecer, Camila. Todo aquele brilho prateado, não se compara ao doce mel dos seus olhos, e não falo isso brincando, é tão envolvente, tão atraente, sua beleza irradia esta casa.”

“Fico até sem palavras para dizer, é como se houvesse uma trava em minha garganta, não consigo falar o que eu realmente queria. O senhor é muito bondoso.”

“Nem tanto, eu já vivi muita coisa nessa vida, já vi de tudo por aí, qualquer dia eu te conto uma das minhas aventuras por esse mundo afora, porém de tudo que eu vi e presenciei você foi o que mais me encantou. Não sei me explicar, é como se você não existisse, sua pureza é como se fosse um trecho retirado dos meus sonhos de juventude, um antigo desejo. Como se eu já te conhecesse desde que eu nasci, isso tudo é muito engraçado.”

“Desculpe-me, eu preciso ir agora, ainda tem muita coisa a ser feita e eu ainda preciso me aprontar para ir à escola, até.”

“Até mais Camila, cuide-se, quero ver você sempre com esse sorriso no rosto, de alguma forma, isso me alegra e me ilumina também.”

Deu dois passos e um beijo no rosto da moça, que não demorou dois segundos, mais que pareceram uma eternidade, esta de súbito se afastou, ele então segurou na sua mão e beijou-a lentamente, depois soltou-a, mostrou um belo sorriso com aqueles dentes perfeitos, e se retirou à passos largos. Isso foi o bastante para criar-se um ligamento muito forte entre os dois, onde um estivesse aquele sentimento que ainda não havia sido identificado, os uniria. Era como um elo inexplicável, e não seria quebrado tão fácil assim. Mas Camila já não se contentava em apenas trocar olhares com ele de longe ultimamente, a vontade de estar perto dele a corroía, sua boca que nunca havia conhecido o amor, precisava dos beijos dele, muito mais do que suas palavras infundadas...

domingo, 12 de abril de 2009

3° Capítulo - Encontro com o amor



Camila se ocupava em algo na cozinha, quando ouviu lá de fora o barulho do motor do carro de Seu Jurandir, e um gritinho de felicidade abafada de Dona do Carmo, correu para a janela da cozinha e viu uma cena comovente, a madrinha abraçada fortemente com um rapaz alto, chorando e beijando-lhe a face repetidas vezes. Por mais que comprimisse os olhos não o conseguia enxergar direito, devido a eles estarem muito longe. “Há de ser Hugo, o filho pródigo que volta para casa”, pensou ela enquanto prendia os longos cabelos e voltava a continuar o serviço de onde havia parado. Ela mesma havia arrumado o quarto para a chegada dele no dia anterior, havia trocado os lençóis e tirado a poeira, deixando tudo com vida novamente. Uma pequena escrivaninha ao canto, uma cama de casal com um guarda-roupa branco ao lado, a mesa de cabeceira estava impecável depois de tantos anos sem serventia alguma. Havia uma vitrola sobre a cadeira, algumas fotografias de anos atrás e um caderno de desenhos cheio de imagens que ela não conseguira decifrar. Tudo isso formava aquele ambiente abandonado, que logo voltaria a ter um dono, seu dono voltava agora como um doutor, para habitar novamente aquele recinto de sombras. Estava viajando em seus pensamentos, quando ouviu a voz da madrinha a chamar-lhe na sala:

“Camila venha aqui, quero lhe apresentar meu filho”, falou a patroa em uma mistura de alegria e orgulho ao mesmo tempo.

A moça mesmo com receio caminhou por entre sua imaginação e foi ao encontro dos dois. Ao chegar contemplou de perto o rapaz, a menos de dois metros de distância ele era bem mais bonito, tinha cabelos lisos e belos olhos azuis, tinha um porte atlético e estampava um belo sorriso no rosto enquanto segurava as mãos da mãe e dizia-lhe algo que ela não conseguiu ouvir bem. Então quando Camila parou e começou a observá-los, a madrinha se virou e ele também quase ao mesmo tempo, encontrando seu olhar com o dela. Nesse momento um turbilhão sensações percorreu o corpo puro da moça, fazendo pela primeira vez sentir as pernas cambalear e a cabeça a dar voltas. Ela então se apoiou na poltrona para não cair, enquanto ouvia a voz tão conhecia a falar com ela.

“Filha, este é o meu Hugo, diga se ele não está um galã, veio passar uma temporada conosco só para me matar de orgulho, além de ter voltado homem feito, agora sabe pronunciar palavras tão bonitas, que deixam meu coração de mãe formigando de felicidade.”

O rapaz se aproximou dela e beijou-lhe a face, o que a fez sentir seu estômago embrulhar de imediato, suas bochechas ficaram rosadas e o que ela conseguiu fazer foi dar um meio sorriso envergonhado.
“Então você é Camila, a moça de que minha mãe tanto me falava nos telefonemas? Fico feliz que tenha feito companhia a ela enquanto eu estava longe, vejo que não mentiu a atribuir-lhe tantas qualidades, só não sabia que você era ainda mais bonita do que eu pensava.”

“Sim filho, ela tem sido para mim uma companheira sem igual, tenho por ela um carinho imenso, moça honesta e de família, é difícil encontrar alguém assim hoje em dia, fico grata por ela me presentear com sua companhia durante todo esse tempo.”

“O prazer é meu em conhecê-la, agora me deixe ir tomar um bom banho e descansar um pouco dessa viajem tão cansativa, mamãe. Mais tarde no jantar conto-lhe todas as novidades e distribuo os presentes que trouxe para todos, inclusive para você, Camila” disse isso e se pôs a subir as escadas a caminho do seu quarto, a mãe o acompanhou segurando o braço forte do rapaz e ela permaneceu sozinha na sala por mais algum tempo, tentando assimilar o ocorrido há minutos atrás, com uma sensação que ainda não conseguia distinguir. Ele não era mais o mulherengo que falavam por ai, aos seus olhos parecera tão educado e respeitador e como era belo. “Oh, como é belo.” Voltou para a cozinha para preparar o jantar e enquanto dava continuidade ao serviço, para onde olhasse ou pensasse, tudo acabava voltando somente para uma pessoa: Hugo!

2° Capítulo - Solidão de si mesma



O galo nem havia ainda cantado, nem os primeiros raios de sol aparecido, e Camila já se encontrava acordada, deitada na velha rede armada na pequena sala onde dormia, ela trazia um livro nas mãos como se fosse um tesouro, o que Dona do Carmo a tinha emprestado semanas atrás. Desde cedo a moça despertara uma paixão pela leitura, e foi em meio a resquícios de felicidade que aprendera a ler, sentia-se orgulhosa e todas as manhãs, antes de se aprontar para ir para o serviço, dispunha-se a ler um pouco. Já estava quase terminando o romance, e lia com vontade as seguintes palavras, meditando-as silenciosamente dentro de si:

“Passaram-se alguns meses e aquela impressão de que o amor era uma doença não havia passado. Era labirinto com cheiro de éter e paredes de azulejo branco. O amor era perder todas as oportunidades, inclusive a do novo amor. É uma sensação de solidão que se quebra como vidro pelos cômodos da casa e eu estava totalmente embriagado por ele.”

Isso tudo a encantava. Era como se fosse um mundo inatingível. Levantou-se e correu para o espelho que havia pendurado na parede, que mesmo quebrado e velho, refletia em si uma menina de olhos profundos e ilegíveis. Seus lábios carnudos que nunca haviam provado do amor, tinham sede de conhecer o desconhecido. Será que ela, aquela tão pobre menina, conseguiria amar algum dia? Perguntava-se no silêncio de sua solidão interior. Resolveu fazer o café, que serviria para a família, juntamente com pão seco do dia anterior, o pai cansado dormia um sono profundo e a mãe com aquela expressão de bondade no rosto, devia ainda estar viajando pelo mundo dos sonhos naquele exato momento. Os irmãos logo teriam que ir para a escola, Bentinho nunca gostava de acordar cedo, e sempre levantava com aquela cara de poucos amigos. Então, Camila pousou o olhar sobre cada um deles e percebeu o quanto os amava. O que seria dela sem aqueles a quem devia a vida? Apesar das péssimas condições em que viviam, ela tinha em si a certeza de que tudo iria mudar. Ansiava incondicionalmente, algum dia, dar a todos muito orgulho de sua pessoa.

“Eu ainda hei de ajudá-lo meu pai e você minha mãe, que me carregou tanto tempo dentro do seu ventre, também. Irei estudar, batalhar, trabalhar, tudo o que tiver ao meu alcance para lhes dar uma vida menos sofrida. ” A moça falou isso quase sussurrando, enquanto uma lágrima escorria em sua bela face e lá fora o céu se iluminava anunciando que o dia já havia começado.

Mais tarde, enquanto a moça servia café para os patrões, pode escutar, quase que distraída, a conversa dos dois.

“Hoje mais cedo recebi um telegrama que lhe de certo lhe interessará, nosso filho virá em breve passar uma temporada conosco, Do Carmo. Parece que tirou férias da faculdade, anda meio adoentado e precisa de um pouco de ar puro.”

“Oh, que bela notícia, que saudades de Hugo, como gostaria de tê-lo conosco para sempre, quantas noites eu chorei ao lembrar sua partida para uma terra estrangeira e tão longe. Meu coração se encontra até hoje despedaçado, como se faltasse uma parte de mim.”

“Ora, não faça drama, estava na hora de ele caminhar com suas próprias pernas, ele estava manchando o nome de nossa família de alguma forma, creio que foi preciso de tudo isso para que ele se transformasse em um homem de verdade.”

“E quando ele virá?”

“Em breve, daqui a duas semanas, senão menos, ele já estará em seu colo novamente.”

Camila, alheia em seus pensamentos, ouviu toda a conversa. Ainda não conhecia o tal Hugo. Começara a trabalhar para Dona do Carmo, um ano depois de sua partida, mais soube que era muito do mulherengo. Ah, devia de ser verdade que todos os homens eram iguais, o prazer da carne sempre falava mais alto no mundo deles. Faria de tudo para manter certa distância dele, era uma moça direita e seus princípios provavam exatamente isso.

Que se danasse o tal do Hugo – pensava ela naquele instante. Era melhor começar a ajeitar a casa enquanto ainda era cedo, senão não sobraria tempo de conversar à tarde com Dona do Carmo. Ah, como aquelas conversas lhe faziam bem!

1° Capítulo - Além do horizonte



No final dos anos 70, no sertão do Ceará, existia uma pequena vila pouco movimentada, onde só moravam algumas famílias que sofriam com a seca que assolava toda a região. Em um desses casebres em péssimas condições, onde o teto já estava quase caindo e as paredes cheias de rachaduras, morava a família Silva, composta pela mãe Dona Joana, uma mulata trabalhadora que ganhava a vida lavando roupa no riacho próximo para ajudar o marido Seu Amadeu, homem de fibra, que tentava colocar comida dentro de casa, fazendo bicos como pedreiro. O casal apesar de passar necessidades, era honesto, gostavam das coisas certas, tinham três filhos para o qual se orgulhar, Pedro de onze anos, moleque danado que ganhava uns trocados fazendo recados lá na venda ou ajudando as senhoras da vila a levar as compras para casa, não parava quieto em lugar algum e tinha pensamentos que ultrapassavam as fronteiras do horizonte, sonhava alto e fazia planos para o futuro, tinha um desejo secreto de ser médico para ajudar a família que estava em uma situação ruim, devido à falta de dinheiro, queria dar uma velhice confortável para os seus pais algum dia. Bentinho, de quatorze anos, muito precoce para a sua idade, se deixava vencer pela timidez e só falava o necessário, porém apesar de retraído, desde pequeno mostrara jeito com os números e era ele que o pai, que nunca tivera estudos, chamava para fazer alguma conta importante das despesas de casa. Por último havia Camila, uma garota meiga e encantadora, tinha olhos cor de mel e longos cabelos dourados, pele macia e muito humilde, sua formosura era apreciada por muitos e no auge dos seus 16 anos já tinha recebido inúmeros pedidos de casamento, porém foram todos rejeitados de imediato, por não conseguirem tocar seu coração. Ela não queria saber de namorar, era muito sonhadora acima de tudo, queria primeiro terminar os estudos para ser alguém na vida, e para isso ia todos os dias à noite a pé para a única escola das redondezas, que não tinha um bom ensino, mais com muito orgulho ela cursava o oitavo ano lá e já havia aprendido a ler. Trabalhava como doméstica na casa de Jurandir Pimentel, um rico coronel da região, que possuía belas fazendas e inúmeras cabeças de gado, era respeitado por todos. Era um típico conservador durão, tudo o que ele falava tinha que ser obedecido logo, e ai daquele que se opusesse a uma palavra sua. Era casado com Dona Maria do Carmo, um bondosa senhora que tinha Camila como uma filha, era cheia de cuidados para com ela e a ajudava nos estudos nas horas vagas, pedia sempre para que a moça a chamasse de madrinha, pois sofria muito com a ausência de seu único filho Hugo, que vendo estar gastando sua vida com a bebida e mulheres tempos atrás, mandara estudar advocacia no exterior. Dona Do Carmo passava as tardes a fazer belos bordados em seus vestidos de cetim e Camila depois de terminar o serviço, sentava-se ao seu lado em um banquinho e ficava ouvindo-a cantar, aquelas músicas de amor a faziam pensar em como seria esse sentimento, ela viajava sonhando encontrar um príncipe de verdade, o que seria impossível já que nunca ultrapassava as cercas da vila, porém não custava sonhar.

- Você está pensando em quê, Camila? Perguntou Dona Do Carmo enquanto a moça se mantinha de olhos fechados, dispersa em seus pensamentos.

- Osh, a senhora me desculpe patroa. É que tens uma voz tão bonita, estava a viajar pelos meus pensamentos, coisa mais linda essa música.

- É no meu tempo de juventude a música tinha composições feitas com muita emoção, essa, por exemplo, foi a que tocou no baile em que conheci o Jurandir, ele cantou apenas um trecho em meu ouvido e eu já estava apaixonada. Daí para o casamento foi um pulo, o fato das nossas famílias serem amigas, ajudou bastante.

- Você o ama muito, não é madrinha?

- Muito, ele foi o único homem da minha vida, desde que bati os olhos nele, percebi que era com aquele sujeito com aparência de bravo, que eu iria querer passar o resto dos meus dias. E acho que consegui colocar rédeas nele direitinho.

- Deve ser muito lindo amar e ser amada.

- E é filha, é o maior presente que um ser humano pode querer e não há dinheiro que compre, é como se já estivesse predestinado antes mesmo de nascermos, é algo tão mágico. Mais não fique com essa carinha emburrada minha afilhada, um dia você irá encontrar sua metade da laranja também, acredite em mim. Chega quando você menos esperar, você vai ver. Olha só a hora, você vai perder a aula, menina. Se apresse para chegar em casa e se aprontar para a aula, lembre-se que sem conhecimento, não há futuro. Mande um abraço para a sua mãe e diga para que venha tomar um chá comigo qualquer dia desses.

- Ta certo, madrinha, já vou, Bênção!

- Deus te abençoe e vá contigo, te espero amanhã cedo, e à tardinha conversaremos mais.

Então Camila se dirigiu ao portão e foi a caminho de sua casa quase correndo por aquele chão vermelho e com o sol a corar-lhe as têmporas, pensando nas palavras da madrinha, estava começando a reinar nela uma vontade de conhecer todos os segredos que o amor poderia proporcionar. Tinha receio de nunca encontrar ninguém do seu agrado, mais o que ela não sabia, era que iria receber a visita desse sentimento, antes mesmo do que pensava…

Love is...
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